terça-feira, 30 de novembro de 2010

OPINIÃO – ANO XVII – N.181- DEZEMBRO 2010.

Jesus Cristo
e Jesus de Nazaré
 Cristãos do mundo inteiro comemoram, nesta época, o nascimento de Jesus Cristo, personagem que pouco se identifica com a figura humana e histórica de Jesus de Nazaré

A fé que une os cristãos
Em sua festejada obra “Revisão do Cristianismo”, J. Herculano Pires sustenta a existência de um “abismo entre Jesus de Nazaré, filho de José e Maria, nascido em Nazaré, na Galileia, e Jesus Cristo, nascido da Constelação da Virgem na Cidade do Rei Davi, em Belém da Judeia, segundo o mito hebraico do Messias”.
O cristianismo, cujas comemorações mais importantes são o Natal (nascimento) e a Páscoa (ressureição), tem toda sua dogmática fundada no “Mito Jesus Cristo”, segunda pessoa da Santíssima Trindade, Deus feito homem para salvar a humanidade do pecado original, cometido por Adão e Eva ao desobedecerem as ordens de Jeová, no Paraíso. É, pois, a crença na figura emblemática do “messias”, “salvador”, “redentor” da humanidade que identifica e une todas as organizações cristãs do Oriente e do Ocidente, fazendo do cristianismo, ao lado do judaísmo e do islamismo, uma das três grandes religiões monoteístas do planeta. Pela fé cristã, o Deus único desdobra-se em três pessoas: o Pai, o Filho (Jesus Cristo) e o Espírito Santo.

Crenças e igrejas – o fator de desunião
Mesmo preservando, ao longo de 2.000 anos, a fé fundamental na divindade de Jesus Cristo, Deus que encarna, morre e ressuscita para salvar a humanidade, o cristianismo, ao curso da história, fragmenta-se em um sem número de segmentações. Até o Século XI, a Igreja Católica Apostólica Romana reinou soberana sobre todos os cristãos. Foi quando ocorreu o 1° grande cisma, dando origem à Igreja Cristã Ortodoxa do Oriente, hoje com duas vertentes: a grega e a russa. Com Martinho Lutero, no Século XVI, a Igreja Católica sofre seu 2° grande cisma. A chamada Reforma Protestante abre caminho para um número ilimitado de igrejas que, hoje, se espalham pelo mundo todo. No ano de 2001, a World Christian Encyclopedia, publicação da Oxford University Press, Inc. (Nova York) registrava a existência de 33.830 denominações cristãs. Nos últimos anos, especialmente na América Latina, a expansão do pentecostalismo e do neopentecostalismo tem propiciado a criação de centenas de pequenas e grandes igrejas cristãs, com liturgias, ordenamentos e crenças diferentes, embora com um elo comum: a fé no que Herculano denominou de Cristo Mitológico, figura que não se confunde, segundo advertiu em sua obra, com o personagem histórico Jesus de Nazaré. Hoje podem girar em torno de 50.000 as denominações cristãs no mundo todo.
O Espírito de Jesus
Na obra onde estabelece com nitidez a distinção entre Jesus de Nazaré e Jesus Cristo, Herculano Pires assinala também: “A Civilização Cristã, nascida em sangue e em sangue alimentada, não possui o Espírito de Jesus”, mas apenas “o corpo mitológico do Cristo, morto e exangue”.
Antes dele, no Século XIX, Allan Kardec, embora não objetivando a criação de mais uma religião cristã, incursionara pelo resgate do que Herculano denominaria “o Espírito de Jesus”. Para que isso fosse possível, advertiu Kardec, necessitaríamos abstrair tudo o que as religiões cristãs consagraram como sendo verdades inquestionáveis acerca da vida material, dos dogmas, assim como dos milagres e profecias a Jesus Cristo atribuídas. E que dos evangelhos dos cristãos ficássemos apenas com o ensino moral de Jesus (Introdução de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”). Kardec sabia ser essa a única forma de superar o mito e resgatar o espírito.
Amplos setores do movimento espírita mundial ainda não atentaram para o significado da advertência kardeciana. Por isso, insistem em manter o espiritismo como mais uma entre as milhares de religiões cristãs. Com efeito, muitos centros espíritas se parecem mais com templos do que com núcleos de estudo, conhecimento e aprimoramento intelecto-moral, objetivo central do espiritismo. Suas práticas pouco diferem dos ritos, das liturgias de curas, cânticos, rezas, pregações e louvações que caracterizam as igrejas. O cenário preserva e nutre velhos clichês mentais trazidos de encarnações passadas. Sobre Jesus, por exemplo, com facilidade, o espírita cristão seguirá vendo-o como o messias, o “cristo”, miraculosamente concebido pelo Espírito Santo, nascido de uma virgem, na manjedoura, crucificado e morto para resgatar nossos pecados.
E, no entanto, é tempo de vê-lo como o homem, o espírito lúcido que aqui, um dia, encarnou para iluminar consciências, semear, cultivar, vivenciar e impulsionar a grande mensagem do amor universal. (A Redação)
Mensagem do Presidente 
Final de Ano
Todas estas mudanças (...) não são frutos apressados, mas constituem-se no resultado de incessantes permutas elaboradas e desenvolvidas, nos dois planos da vida, entre aqueles que mais se preocupam e se dedicam à casa. (Mensagem do espírito Joaquim Cacique de Barros, ditado à médium Elba Jones, no CCEPA, em 05.04.1986)

Chegamos ao final de 2010, e embora isso represente apenas uma virada no calendário, visto que a vida e as coisas continuarão naturalmente seu curso, cabe uma palavra de avaliação do que a nossa instituição viveu neste ano que finda e uma rápida projeção para o novo ano.
O Centro Cultural Espírita de Porto Alegre deu prosseguimento ao seu propósito de congregar pessoas dispostas a conhecer o Espiritismo ou a aprofundar seus conhecimentos através do estudo, do debate, da reflexão, dentro do grupo de estudos e nos eventos e reuniões envolvendo todos os trabalhadores da casa, compartilhando experiências. É de salientar, neste ponto, a promoção de encontros periódicos intergrupos (reunindo os grupos noturnos, às quintas-feiras, e os grupos diurnos, às quartas-feiras). E também a realização de seminários mensais, igualmente integrando os grupos, oportunidade em que se escolhia previamente um tema para debate. Esta dinâmica revelou-se eficiente e satisfatória para o fim objetivado.
Merece especial menção a efetivação do II Encontro Nacional da CEPA-Brasil, em Bento Gonçalves, de 03 a 06 de setembro. O CCEPA aceitou o convite da CEPA-Brasil e assumiu a execução deste grande e significativo evento, que reuniu espíritas deste e de outros Estados, contando ainda com a presença de companheiros da Argentina. A tarefa exigiu, mais uma vez, esforço e doação por parte da Comissão Organizadora composta por companheiros do CCEPA, com a decisiva colaboração do Lar da Caridade, da cidade anfitriã. E o resultado foi sucesso total.

Certamente, impulsionados pela nossa união e pelo nosso entusiasmo para o estudo e para a vivência da filosofia espírita, persistiremos neste propósito, esperando que 2011 nos propicie felizes realizações. 
Rui Paulo Nazário de Oliveira, Presidente do CCEPA. 

 Em João Pessoa 
No IV Fórum do Livre Pensar Espírita (João Pessoa 12 a 14/11/10), dei depoimento fazendo esta reflexão: minha geração e eu, no meio espírita, tivemos o privilégio de vivenciar importantes mudanças que começam a produzir frutos maduros. Metaforicamente falando, pode-se dizer que assistimos ao processo de transição da modernidade para a pós-modernidade espírita. Integrantes de um movimento bem comportado, disciplinado, que tinha, até a década de 80 do século passado, a unificação como valor primordial, desencadearam, em seu próprio meio, uma importante revolução de ideias cujos resultados agora se fazem sentir mais concretamente.
 Sempre que nos permitimos pensar livremente, dentro de um grupo, contribuímos para a eclosão de um processo de fragmentação e de segmentação, características próprias da pós-modernidade. É natural que isso gere intranquilidade, no meio onde esse processo acontece. Não há progresso sem transgressão. 
  Os movimentos hegemônicos
  As religiões têm horror a esse processo. As ditaduras e todos os movimentos hegemônicos também. Entre nós, o processo de arejamento é, comumente, visto como artimanha “das trevas”. Muito se disse e ainda se diz, no meio espírita brasileiro, que o grupo laico ou livre-pensador são os “inimigos internos” do espiritismo.
 Pensar e fazer pensar gera desacomodação. Ser livre não é tão fácil assim. A maioria de nós chegou ao espiritismo proveniente de estruturas religiosas marcadamente dogmáticas e autoritárias. Apenas trocamos de religião, reproduzindo velhos modelos. Trocar de religião é relativamente fácil. Substituímos a “igreja” ou a “instituição” à qual devíamos prestar obediência por outras estruturas hegemônicas. Se, de repente, nos pomos ou somos postos fora delas experimentamos uma sensação inicial de solidão e isolamento. O sistema passa a nos ver como na irregularidade, na ilegitimidade, na “heresia”. Se sua casa espírita não é “federada” não é “espírita”. “Cuidado com ela!”, dirão alguns
  A união dos espíritas
  De que forma se poderá manter uma estrutura organizacional fiel à proposta espírita e capaz de, efetivamente, unir os espíritas? Reconhecendo-lhes o direito de pensar livremente, tendo por base os princípios basilares do espiritismo. Facultando-lhes a livre associação a quantas entidades desejarem. Renunciando ao princípio da autoridade de orientar o movimento, substituindo-o pelo estímulo ao debate e à construção plural de ideias. Não importa que divirjamos sobre questões adjetivas ou procedimentais, desde que estejamos de acordo nas questões substantivas chamadas por Kardec de “credo espírita”, o “laço” que nos deve unir.
Os últimos eventos promovidos pela CEPABrasil, em Bento Gonçalves e em João Pessoa, provaram que, mesmo divergindo, se formos capazes de nos reconhecer mutuamente como titulares dessas prerrogativas, nos unimos mais. E passamos, também, a nos amar muito mais.
     O futuro do espiritismo  
  Às vésperas de completar 70 anos de vida, 30 dos quais dedicados prioritariamente à difusão e à vivência das ideias espíritas, saúdo o advento dessa fase pós-moderna do espiritismo que começa a se esboçar. Isso poderá levar a uma certa desinstitucionalização. Ao reencontrar-se com o livre-pensamento, onde Allan Kardec, claramente, quis inseri-lo, o espiritismo vai ao encontro de todas as ideias generosas que o moderno humanismo plasmou e sustenta. Referi isso, em meu depoimento em João Pessoa.
 Quando – e esse deve ser o objetivo de todos os espíritas – conseguirmos a plena simbiose entre espiritualismo e humanismo, talvez nem haja mais espaço para um movimento espírita ou, mesmo, para centros espíritas, nos moldes hoje existentes. Muitos poderão interpretar isso como a derrocada do espiritismo. E, no entanto, aí mesmo é que se terá atingido o que Léon Denis chamou de “o reinado do espírito”.


Jesus para o Espiritismo
          Marcelo Henrique, articulista e dirigente espírita, mestre em Direito,            Delegado da CEPA em São José, SC.

Toda tentativa de analisar o personagem Jesus sob a ótica espírita principia pelo questionamento de Kardec aos Espíritos, aposto no item 625, de O livro dos espíritos, sobre o modelo ou guia para a Humanidade planetária. A resposta, na competente tradução do Professor Herculano Pires é "Vede Jesus". Obviamente, não estamos falando de Jesus Cristo, o mito inventado pela religião cristã oficial (Catolicismo) e reproduzido por todas as que lhe sucederam no tempo, um ser meio homem meio divino, filho único (?) de Deus ou integrante do dogma da Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo), como apregoam as liturgias.
Falamos do homem, cujos registros físicos (históricos) são mínimos, mas que teria vivido há pouco mais de dois mil anos, no Oriente Médio, dono de uma filosofia de vida própria e que marcou a história humana ao ponto de dividi-la entre antes e depois de sua passagem. Jesus de Nazaré, este o seu nome. Mas é este o Jesus apresentado nas instituições espíritas? É este o Jesus referenciado nas obras pós-kardecianas, sobretudo aquelas de origem mediúnica? Cremos que não! Há uma diferença muito grande entre a realidade e a imagem que foi construída - muito fortemente em função da influência das religiões sobre o arquétipo coletivo.
Alguns dos problemas mais graves na abordagem "espírita" de Jesus já principiam pela gravidez de Maria (dita Santíssima pela tradição religiosa e, portanto, submetida a uma gestação sem ato sexual, sob a interferência do Espírito Santo), o que levou à consideração de que o carpinteiro seria um agênere, posto que detentor de um corpo não-físico, mas fluídico, porquanto não teria ele suportado as dores e lacerações a que foi submetido, na paixão e crucificação.
Tais teorias nunca seriam concordes à Filosofia Espírita, porque representariam a negação dos mínimos princípios ou fundamentos básicos espiritistas. Maria e José, tidos como pais de Jesus, tiveram um relacionamento normal - como o de qualquer casal - e Jesus, inclusive, teve vários irmãos, sendo o primogênito da prole (vide a passagem "Quem são minha mãe e meus irmãos", a propósito). De uma gestação, portanto, natural e "normal", decorreu um corpo físico muito parecido com o nosso, guardadas as proporções decorrentes do distanciamento temporal entre os nossos dias e os de dois milênios atrás.Como a fábula cristã enquadra situações aparentemente sobrenaturais (como diversas passagens evangélicas relacionadas aos feitos de Jesus e, também, todo o tétrico relato das torturas a que teria sido submetido desde sua prisão, no Horto das Oliveiras até sua crucificação no Gólgota), muitas delas teriam sido construídas e moldadas pelos doutores da Igreja, interessados na construção de um super-homem, mítico e até mitológico, dotado de superpoderes ilimitados.
Jesus foi um homem "normal" e "comum", em relação às suas características físicas. Sua distinção em relação aos demais homens (daquele tempo e até hoje), evidentemente, pertence ao plano moral, das virtudes e das características egressas de sua evolutividade espiritual. Seu principal traço é o de uma moralidade bem acima da média da população terrena de todos os tempos conhecidos, daí porque os Espíritos o teriam sugerido como referência (não a única, fique bem claro) para a esteira de progresso espiritual compatível com este orbe.
Mas, ainda que distante da maioria dos homens em termos de moralidade, não deixou de "participar" da vida encarnada como a grande maioria de nós. Sentiu dores, sofreu decepções, alegrou-se com situações favoráveis, teve amigos e relacionou-se SIM sexualmente com uma mulher - provavelmente Maria de Magdala, de cuja relação teria nascido uma criança, como, aliás, vários escritores - entre os quais, mais presentemente, Dan Brown - já referenciaram.
 Incrível é que, em muitas instituições espíritas, que deveriam se pautar pela "fé raciocinada", pelo exame lógico de todas as situações e circunstâncias e pela abordagem livre e baseada nos princípios espíritas, se verifique um certo ar "pudico" quando o assunto vem à baila, como se uma (muito) provável experiência conjugal e sexual de Jesus de Nazaré pudesse diminuir o alcance de sua missão e papel perante os homens. Uma abstinência da simbiose energético-sexual não seria, nem de longe, "natural" e oportuna. Ademais, todos nós que, sob a esteira da dicção espiritual contida no item sublinhado da obra pioneira, nos espelhamos em Jesus para a construção de nossa senda evolutiva, ao buscarmos conhecer melhor o intercâmbio das relações humanas, sabemos que a sexualidade é um vértice de aprendizado espiritual e, antes de tudo, uma necessidade humana, rumo ao equilíbrio.
Mas há os que, não tão ingenuamente, pensam o contrário e tentam "importar" para o Espiritismo visões que pertencem aos dogmas das igrejas. Estes ainda não se tornaram espíritas!
O Rio Grande na Paraíba
  Duas instituições espíritas gaúchas filiadas à CEPA contribuíram, com expositores, na realização do IV Fórum do Livre Pensar Espírita, de 12 a 14 de novembro último, em João Pessoa/PB. Rui Paulo Nazário de Oliveira e Milton Medran Moreira, do Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, participaram no painel “Espiritismo em Movimento”. A delegação do CCEPA contou ainda com a participação de seus associados Beatriz Urdangarin, Margarida Nunes (de Florianópolis,SC) e Sílvia Moreira. Por sua vez, a Sociedade Espírita Casa da Prece, de Pelotas, enviou dois representantes: Homero Ward da Rosa, expositor no painel “O Que é o Espiritismo”, e sua esposa Regina.
  A delegação gaúcha ao evento de João Pessoa foi integrada também por Maria Leonor, do Instituto Espírita Terceira Revelação Divina (Porto Alegre).


Moacir faz a última conferência

do ano noCCEPA


  Neste mês de dezembro, a tradicional palestra da primeira segunda-feira do mês (dia 6, segunda-feira, às 20h30) no Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, estará a cargo do Professor Moacir Costa de Araújo Lima, físico e escritor que acaba de lançar o livro “Consciência Criadora”. Moacir autografará seu livro aos interessados, após a conferência.




Opinião do leitor
Kardec retocou?  
Sobre os artigos em Enfoque de Augusto Araújo (julho/10) e de Wilson Garcia (outubro 10), não encontrei  em Obras  Póstumas (Minha iniciação ao Espiritismo) declaração de Allan Kardec de ter “retocado” comunicações de Espíritos.  Retocando as respostas dos Espíritos (para corrigir ou melhorar)  estaria AK contradizendo a declaração veiculada na Revista Espírita 1858, pag. 5, assim: "...Fazemos anotar, a esse respeito, que esses princípios são aqueles que decorrem do próprio ensinamento dado pelos Espíritos, e que faremos, sempre, abstração das nossas próprias ideias”. Já cumpri 89 anos  e agora, depois de participar das atividades da Soc. Espírita Kardecista durante 50 anos, há dois anos,pedi "aposentadoria".  Entretanto, continuo participando de pequeno grupo de estudos do Espiritismo , com reuniões semanais. Na leitura do Opinião surpreendeu-nos a expressão "retocar" e daí a nossa impertinência na busca de esclarecimentos a respeito,sem o propósito de polemizar, nem mesmo de curiosidade.  Desde que assisti, aqui, palestra de Jaci Regis, na década de 70 ou 80, aprendi a diferenciar a Doutrina Espírita do Espiritismo brasileiro (religioso). Considero-me, por isso, um livre-pensador.
                  Cordialmente,  João José GuedesSantos/SP