quinta-feira, 11 de junho de 2009

OPINIÃO ANO XV - Nº 164 – JUNHO 2009

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O VEGETARIANISMO EM DEBATE
A carne no banco dos réus
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Participantes da Lista da CEPA na Internet discutem a questão do vegetarianismo sob a perspectiva espírita, a partir de texto do comunicador Ivan René Franzolin.
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O texto de Franzolin
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Um artigo do comunicador espírita Ivan René Franzolin postado na lista de discussão da CEPA pelo debatedor Paulo Cesar (DF) e que pode ser lido em sua íntegra no blog http://blog-espiritismo.blogspot.com/2009/05/e-o-vegetarianismo.html - provocou, no último mês de maio, interessante debate no grupo. Em seu artigo, originariamente publicado em A Voz do Espírito, Franzolin, que se declara “vegetariano há vários anos”, sustenta: “Embora o Espiritismo não recomende diminuir a matança de animais para nossa alimentação, o conteúdo de seu ensino, baseado no amor e na bondade, deixa evidente que esse será um passo no caminho da nossa evolução”.
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Reportando-se à questão 723 de O Livro dos Espíritos onde Kardec indaga dos espíritos se “a alimentação animal é, com relação ao homem, contrária à lei da Natureza”, lembra o articulista que a primeira frase da resposta foi: “Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece”. Mas, questiona Franzolin: “Como teria sido a resposta caso ele tivesse perguntado se o homem deveria se preparar para um dia deixar de comer carne”. Recolhe, então da resposta “que a alimentação carnívora é parte do processo evolutivo e natural do homem”, mas que isso vale apenas “até um instante de sua evolução” e que esta, segundo alguns vegetarianos, já teria sido alcançada “para aqueles mais evangelizados”.
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Segundo o artigo, os conhecimentos da época em que os espíritos deram aquela resposta a Kardec não permitiam incitar o homem a uma mudança de sua alimentação carnívora, sem prejuízo à saúde. Mas que “a situação atual apresenta diferenças muito favoráveis à alimentação vegetariana, aumentando consideravelmente as opções dessa dieta”. Mesmo defendendo a alimentação vegetariana, Franzolin, em seu artigo, destaca: “Independente da análise quanto ao tipo de alimento que ingerimos, se faz necessária a eliminação dos excessos e de qualquer postura que nos coloque próximo da posição de quem vive para comer, ao invés de comer para viver”.
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A alimentação vegetariana ganha cada vez mais adeptos, não por motivos religiosos, mas como opção saudável e porque existem hoje alternativas que suprem os nutrientes encontrados na carne.
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Argumentos contrários e favoráveis no grupo de discussão
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A tese vegetariana, que tradicionalmente encontra defensores e opositores no meio espírita, também na Lista da CEPA motivou argumentos em ambos os sentidos. O debatedor Vital Ferreira (SP) questionou argumento também presente no artigo de que em Nosso Lar, obra psicografada por Chico Xavier, “os habitantes foram compelidos a deixarem o hábito de comer carne”. Pergunta se, com isso, o articulista “está dizendo que os espíritos comem carne”.
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A partir dessa observação, o debatedor Marcus (Salvador/BA) contestou a própria existência de animais na erraticidade, evocando, para tanto, O Livro dos Espíritos. Por sua vez, Sérgio Maurício (Salvador/BA) fez críticas à posição dos vegetarianos que, em seu discurso, “se consideram mais evoluídos”. Para ele é arrogância achar que uma opção alimentar é caminho ou não para evolução espiritual. Diz o debatedor: “Não tenho nada contra ou a favor de opções alimentares, pois penso firmemente que isso não tem absolutamente nenhuma importância no desenvolvimento espiritual”. E acrescenta: “Achar que um animal tem mais vida do que uma planta é, no mínimo, um entendimento bem particular e ideologicamente interessado do conceito de vida”.
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Paulo Cesar (DF) sustentou no debate que a alimentação carnívora gera compromissos cármicos, sob o entendimento de que fazemos os animais sofrerem “e há uma lei de retorno”. Também participante da lista, Israel Agudelo, de Bogotá, Colômbia, saudou a discussão do tema “tão importante para aqueles que vemos os animais como irmãos e não como meio de alimentação”.
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NOSSA OPINIÃO
SEM CULPA
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Costumes alimentares, tanto quanto os de outros aspectos da vida humana, são mutáveis. Se recuarmos no tempo, vamos encontrar o homem primitivo abrigado em grutas de pedra, comendo a carne crua dos animais que saíra a caçar. Nosso organismo, hoje, por certo não suportaria os alimentos que eram, então, por ele ingeridos.

O hábito de comer carne que, diferentemente de nossos antepassados, aprendemos a cozer ao fogo, juntando-lhe condimentos que a transformam em delicadas iguarias, continua, em nosso tempo, sendo uma das principais bases da alimentação humana. Assim mesmo, diversamente do que ocorria no século 19 (época em que os espíritos deram a entender a Kardec que ela era praticamente indispensável à alimentação humana), hoje existem outras opções de cardápio capazes de suprir os nutrientes presentes na carne. Ademais, costumam-se associar, presentemente, ao consumo da carne riscos de doenças como o câncer, distúrbios cardíacos e, inclusive, a redução da expectativa de vida.

Aspectos dessa natureza têm levado, hoje, muitas pessoas a reduzir ou, mesmo, a abandonar o consumo da carne, substituindo-a, no entanto, por outros tipos de nutrientes que a agricultura e a engenharia alimentar modernas põem à disposição do consumidor. Dessa forma, tornar-se vegetariano já não resulta de convicções religiosas ou de escrúpulos espiritualistas, mas aqueles que o fazem são, via de regra, movidos por razões de saúde. Numa visão inspirada na filosofia espírita, que contempla o homem como um ser integral - corpo/mente/perispírito/espírito -, a saúde material tem, também, importantes repercussões espirituais. Essa linha de raciocínio abre espaço a uma visão mais sistêmica da vida, levando em conta aspectos ecológicos e de respeito a todas as formas de vida.

É possível que, num lapso semelhante àquele que nos separa hoje do tempo em que surgiu o espiritismo, o consumo da carne venha a ser drasticamente reduzido ou até abandonado. Convém, entretanto, que as mudanças ocorram sem a intercorrência de condenações, remorsos ou autoflagelos carregados de ameaças, culpas ou medos. A vida flui e se aprimora a partir do avanço do conhecimento acerca de nós próprios e do mundo que nos rodeia. Se os preceitos religiosos, ontem, assumiam formas imperativas a regular nossos hábitos pessoais, os tempos de hoje colocam-nos à disposição conhecimentos e alternativas capazes de permitir que, com liberdade, tracemos projetos de vida úteis ao nosso desenvolvimento físico, psíquico e espiritual: sem culpas e com vistas à nossa felicidade e daqueles que nos rodeiam ou que virão depois de nós. (A Redação)
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Leia ainda nesta edição:
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· A busca da identidade apesar das barreiras. O editorial da pág.2 destaca o esforço da CEPA, instituição da qual é o CCEPA filiado, em promover, através de seus Congressos, a convivência e a busca de uma identidade capaz de unir espíritas de diferentes perfis.
· “Sou humano e nada do que é humano me é estranho” – A frase do ex-bispo Lugo, repetindo Terêncio, é mote para a coluna Opinião em Tópicos de nosso editor Milton Medran Moreira, na pág.3.
· Participe do Café Cultural do CCEPA. Será na tarde de 27 deste mês na sede de nossa instituição. Veja na pág.3.
· Os fundamentos éticos e sociais do espiritismo nunca estiveram tão atuais como agora. Quem afirma é o economista e jornalista espírita José Rodrigues, no artigo Na Teologia do Mercado, nunca há o bastante, uma análise econômica e social a partir da filosofia espírita, em Enfoque da última página
· A CEPA não adotará a Proposta do Modelo Kardecista de Jaci Regis como tema central do Congresso de Santos. Nota oficial do Conselho Executivo da entidade, publicada em América Espírita, encartado nesta edição, explica as razões.
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EDITORIAL
A Busca da Identidade apesar das barreiras
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O mais sólido e mais duradouro traço de união entre os seres é a barreira
(Pierre Reverdy)

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Atualizar o espiritismo e avançar em conceitos não suficientemente contemplados na obra de Allan Kardec é desafio permanente que, ontem, hoje e sempre, tem envolvido os chamados grupos progressistas do movimento espírita. Não se pode, entretanto, perder de vista que o movimento, como um todo, é plural. O pluralismo deriva justamente da heterogeneidade cultural e das diferentes experiências vividas pelas pessoas e instituições que compõem o grande mosaico mundial chamado espiritismo. Serão essas diferenças barreiras intransponíveis? Salvo melhor juízo, não.
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Mais agudamente, nos últimos anos, o movimento espírita vem apresentando com clareza e com perfis muito bem definidos, dois blocos que se autodefinem como religioso um e laico o outro. O Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, entidade da qual este jornal é intérprete, de há muito que optou por uma visão laica e livre-pensadora de espiritismo, entendendo ser este o perfil mais fiel às bases propostas, no Século 19, pelo insigne fundador do movimento, Allan Kardec. Por isso, há cerca de 15 anos, decidiu filiar-se à Confederação Espírita Pan-Americana, CEPA, organização que, ao curso de mais de 60 anos de vida, demonstrou vocação livre-pensadora, laica e progressista, sem jamais abandonar o espírito essencial da proposta kardequiana.
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Mesmo sustentando algumas ideias que se chocam com o pronunciado religiosismo e misticismo de grande parte do movimento espírita mundial, a CEPA busca manter com todo o movimento, independentemente das características de cada entidade ou agente, uma relação afetuosa e produtiva, entendendo que, somando esforços, todos podemos contribuir com o avanço dos princípios básicos do espiritismo.
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Especialmente através de seus Congressos, a Confederação Espírita Pan-Americana tem buscado essa interlocução com todo o movimento espírita mundial. A par disso, aqueles eventos guardam o nítido escopo de, acolhendo contribuições plurais, desbravar caminhos que levem à permanente e efetiva atualização doutrinária e, quiçá, a uma mais clara identidade cultural do movimento como um todo. Os Congressos da CEPA são, ao mesmo tempo, expressões cálidas de confraternização e instrumentos de avanço conceitual e doutrinário do espiritismo.
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A nota oficial que a CEPA publica na primeira página do boletim América Espírita, encartado, como de praxe, neste jornal, ratifica essa disposição com vistas ao próximo Congresso da entidade, a ser realizado em Santos/SP, no próximo ano de 2012. Como os vinte anteriores Congressos já celebrados pela instituição, este objetiva ser um evento de congraçamento entre todos os espíritas, e o desenvolvimento de sua temática promete ser, de acordo com a tradição institucional, mais uma contribuição coletivamente construída em prol do aprimoramento doutrinário do espiritismo.
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O Centro Cultural Espírita de Porto Alegre que, com a presença pessoal de cinco de seus associados, assistiu e participou da reunião em que se produziu aquela manifestação, na cidade de Buenos Aires, no último mês de maio, ratifica-a aqui e cumprimenta os dirigentes da CEPA pelo oportuno, firme, fraterno e genuinamente espírita pronunciamento.
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Os Congressos da CEPA são, ao mesmo tempo, expressões cálidas de confraternização e instrumentos de avanço conceitual e doutrinário do espiritismo.
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OPINIÃO EM TÓPICOS
Milton R. Medran Moreira
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Lugo e Terêncio
Lugo não se escondeu. E mais: não escondeu sua condição humana, quando, acossado pelas tantas notícias de paternidade a ele atribuídas no pleno exercício do episcopado, declarou publicamente: “Sou humano e nada do que é humano me é estranho”. Repetiu, assim, embora sem citar a autoria, famosa sentença do dramaturgo e poeta romano Terêncio: “humo sum, humani nil a me alienum puto”.
Nenhum reparo, pois, à atitude do político e administrador Fernando Lugo. Comportou-se como ser humano, detentor de virtudes e defeitos, capaz do cometimento de acertos e erros. E, acima de tudo, uma vez assumidos estes últimos, de repará-los, como já o fez, ao reconhecer a paternidade de uma das crianças cuja mãe trouxera a público a denúncia.

O cidadão, o padre e o bispo
Se não cabem censuras ao cidadão Fernando Lugo, talvez o mesmo não se possa dizer com relação ao padre Lugo, membro, quando dos episódios a ele atribuídos, de uma ordem religiosa que impõe aos seus integrantes, e estes aceitam e professam, votos de pobreza, obediência e castidade. Mais incompreensíveis se tornarão ainda os fatos se considerarmos protagonizados por dom Lugo, representante direto e autoridade máxima, em sua diocese, de uma organização religiosa que impõe ao seu clero, por ele ali chefiado, a abstinência total do sexo e a própria renúncia ao casamento.

Em defesa do ex-padre e ex-bispo, se poderá alegar que, no momento em que renunciou àqueles títulos, fê-lo por haver chegado, intimamente, à descrença da validade axiológica das regras a que estivera, até então, jungido. Percebendo que não pode haver uma moral para o clérigo e outra para o secular, teria concluído, em determinado momento, que a prática do sexo não é condenável e que, antes, é um direito e uma saudável necessidade do ser humano. Mas, não parece que assim pense ele. Tanto que, publicamente, rogou perdão, reservando-se, ainda, a fazer o acerto de contas com seus confessores, em quem, pois, segue reconhecendo o divino dom de reintegrá-lo no perdido estado de graça.
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O divino e o humano
Ambiguamente, pois, o “homo sum” de Terêncio vale para o cidadão, mas não é aplicável ao clérigo. Este, por uma misteriosa abstração teológica, mais do que renunciar ao sexo e até ao casamento, renuncia à sua própria humanidade. Aí está a grande contradição da religião que a faz intrinsecamente irreconciliável com o nosso tempo: essa arbitrária divisão da vida entre o sagrado e o profano, entre o divino e o humano. Até onde vai o divino e onde começa o humano? Em que segmentos da vida e da morte incidem os mistérios divinos e em quais outros se podem aplicar os avanços, sempre crescentes, do conhecimento e da ética desenvolvidos pela fantástica experiência do espírito humano?
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Consciência e vida
Não parece mais ajustado buscarem-se as razões divinas na mais fascinante obra que conhecemos: a consciência? Nela não estarão refletidas, de forma diáfana e universal, todas as leis contidas na natureza?
Terêncio, mais de 100 anos antes de Cristo, já percebera o que os humanistas viriam proclamar na modernidade ocidental: que o homem é a medida de todas as coisas. Ou seja, que sem compreender o humano, jamais teremos a consciência do divino. E que, pois, é um equívoco querer separar um do outro, já que tudo é consciência e tudo é vida
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NOTÍCIAS
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Luiz Signates no CCEPA
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O pensador espírita Luiz Signates, jornalista e professor universitário, esteve em visita ao Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, na segunda-feira, dia 11 de maio.
Signates, que reside em Goiás, atuando como professor na Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal daquele Estado, tem vindo ao Rio Grande do Sul para cumprir atividades em curso de pós-doutorado em sua área junto à Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, como professor convidado.
Na noite de 11 de maio, aproveitou para visitar o CCEPA, que, segundo disse, havia muito tempo desejava conhecer, pois admira a história e a influência exercida pela entidade no contexto espírita do Brasil e do mundo. Participou, naquela noite, do Grupo de Conversação Espírita, atividade das segundas-feiras, no CCEPA. Os integrantes do grupo aproveitaram para questionar Signates sobre vários aspectos ligados a ideias de pluralismo e alteridade no meio espírita, temas que têm sido objeto de vários trabalhos daquele intelectual goiano.
Aproveitando o tempo em que Luiz Signates ainda permanecerá no Rio Grande do Sul, o Centro Cultural Espírita de Porto Alegre, por seu Departamento de Eventos, está programando a realização de um Seminário a ser conduzido por ele sobre “Espiritismo e fraternidade: o diálogo como realização do amor ao próximo". O evento será aberto ao público, especialmente espírita, e, provavelmente, será realizado no próximo mês de agosto. Os interessados poderão obter informações futuras no blog do CCEPA: http://www.ccepa.blogspot.com/ .
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Salomão foi o palestrante de junho
Prosseguindo na sua programação de conferências públicas na primeira segunda-feira de cada mês, sempre às 20h30, o Centro Cultural Espírita de Porto Alegre ofereceu, na noite de 1º de junho corrente, a palestra “Fundamentalismo e Alteridade”, com o vice-presidente da Casa, Salomão Jacob Benchaya.
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dia 27 tem Café Cultural no CCEPA
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No próximo dia 27 de junho, sábado à tarde, o Centro Cultural Espírita de Porto Alegre realizará seu II Café Cultural. O primeiro foi realizado por esta mesma época, no ano passado.
O Café Cultural objetiva reunir os amigos do CCEPA em delicioso café, acompanhado de atividades artísticas e culturais. Fique atento no nosso blog.




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Vem aí novo Curso de Iniciação ao Espiritismo.
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Agora na tarde das quartas-feiras
O novo CIESP será ministrado por Donarson Floriano Machado. +

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ENFOQUE
Na teologia do mercado, nunca há o bastante
José Rodrigues
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Os fundamentos éticos e sociais do espiritismo nunca estiveram tão atuais como no presente. Todo o discurso apresentado pelos espíritos, a partir dos meados do Século XIX, é calcado no que muito mais tarde se chamaria de desenvolvimento sustentável, desde que compreendidos os limites da natureza e os nossos.
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Há que se refletir sobre acontecimentos contemporâneos e recentes, em torno da viabilidade do planeta, quanto do comportamento humano, visto em suas relações sociais, para melhor se avaliar a contribuição do pensamento espírita, antecipado no tempo, ante as reais necessidades do homem e do meio. Para tanto, citem-se apenas dois itens da agenda mundial, o clima, ameaçado pelo aquecimento fora de proporções e a crise financeira, deflagrada pela economia norte-americana, com transbordamento internacional. Diagnósticos de um e de outro têm como base a ação humana, seja pela desabalada ânsia de consumo, no caso, desigual, ou pela ambição desmedida de uma elite que se julga sábia, despreocupada com o próximo.
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No item do consumo, a economia mundial vinha vivendo um ciclo de autêntica farra, sem exceção do Brasil, com valorização acelerada dos imóveis, maior entupimento das vias públicas por veículos, todos a provocarem maior demanda de bens naturais. Mas como se diz em jargão da economia “todo avião que sobe, desce”, as curvas ascendentes fizeram um ‘joelho’ e declinaram. Foi o soluço da Terra. O substrato desse comportamento foi o apoio de um sistema financeiro enganoso, com gente muito bem paga atrás do balcão a vender ilusões.
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Esses picos e vales são tidos como normais pelos economistas, mas resultam de um primado filosófico, o da aceitação das diferenças de classes. De fato, sob uma visão social e moral, guardadas as justificativas advindas de catástrofes climáticas (o que hoje também se atribui à ação humana), são práticas nas quais predomina a mais valia denunciada por Marx.
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Neste ponto introduzimos o pensamento espírita que define os conceitos de necessário e útil, afinal, o desafio que enfrentamos em nossas buscas. Disseram os espíritos que “só o necessário é útil”, complementando com “o supérfluo nunca o é”. Daí decorrem verdadeiras alfinetadas dos espíritos sobre o mau uso dos bens da Terra e às equivocadas acusações às nossas carências. “A terra produziria sempre o necessário, se o homem soubesse contentar-se com o necessário. Se ela não lhe basta a todas as necessidades, é que emprega no supérfluo o que poderia ser aplicado no necessário”.
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Esse homem que conhecemos quer trocar de carro a cada ano, de computador a cada semestre, quer que a bolsa de valores trabalhe para si, está com peso acima do saudável, desperdiça o tempo pelo ócio imerecido, deixa-se enganar pela competição consumista que ‘vende’, por exemplo, os aventureiros da Fórmula 1 como semideuses e ainda pretende um mundo de equilíbrio. Essa equação não fecha.
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Contrapõe-se que o mundo, ainda que a duras penas, venha fazendo seus ajustes. Dos 3,0 bilhões que éramos por volta de 1960, chegamos aos 6,6 bilhões no presente. Poderemos alcançar os 9,0 bilhões em 2050. É preocupante, na medida em que os países classificados como desenvolvidos já apresentem baixíssima taxa de avanço populacional, até mesmo decréscimo, como Japão, (-0,02% ao ano) e Alemanha, 0,07%, enquanto os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos nos quais estão 75% da população mundial, têm taxas de crescimento até acima de 2%, para a média mundial de 1,17%. A brasileira é de 1,26%, face a 3,0% há 40 anos.
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A nossa sorte é que Malthus errou. O pastor anglicano (1766-1834) que chegou a pregar a abstinência sexual dos pobres, para não engrossarem o contingente de mal-alimentados, não previu o avanço tecnológico, que tem multiplicado a produtividade agrícola em taxas superiores à do aumento da população. A safra de grãos brasileira, nos últimos 17 anos, cresceu mais de 146%, ante uma área plantada de 24%. Ao mesmo tempo, a taxa de fecundidade, da ordem de 5,8 filhos por mulher, na década de 1970, já está em torno de 2,0.
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Esses dados não nos livram de duras desigualdades no planeta, ainda com cerca de 22% de analfabetos, 800 milhões de subnutridos e menos de um por cento com acesso à internet, para ficarmos apenas nestes itens. Com esse quadro de investida à natureza e de insensibilidade humana, cabe um chamado de Harvey Cox*. Ele assim direciona: “Um mestre zen japonês certa vez disse a seus discípulos, enquanto expirava em seu leito de morte: ‘aprendi uma só coisa na vida: o quanto é o bastante’. Ele não encontraria lugar no templo do mercado, pois para este, o Primeiro Mandamento é nunca há o bastante”.

(*) Professor e teólogo da Universidade de Harvard (EUA), em The Market as God (1999). Também citado por Ricupero (FSP/14.07.02).

José Rodrigues
, jornalista e economista, um dos coordenadores do site Pense-Pensamento Social Espírita. Integra o Centro Espírita Allan Kardec, de Santos/SP.
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OPINIÃO DO LEITOR
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Espiritismo ante a eutanásia
Só um abraço ao colunista Milton Medran Moreira pelo “Opinião em Tópicos” de abril (“O espiritismo ante a eutanásia”). Sensibilidade rara, clareza... tudo o que admiro nos seus artigos.
Maria Pia, São Paulo, SP - mp_macedo@hotmail.com

Filosofia Penal dos Espíritas
Temos a satisfação de informar que o livro "Filosofia Penal dos Espíritas" (Estudo de Filosofia Jurídica) está postado no Pense-Pensamento Social Espírita. O autor, professor Fernando Ortiz, da Universidade de Havana, dedica a obra a César Lombroso. Tradução de Carlos Imbassay e Apresentação de Deolindo Amorim.
Antropólogo, etnólogo, sociólogo, jurista e linguista, Ortiz é cubano, nascido em 16 de julho de 1881. É considerado um dos maiores intelectuais da América Latina. Escreveu mais de 100 obras sobre os mais variados temas.O original é de 1951.
O espaço de quase 60 anos, não tira a atualidade da obra.

Abraços. Eugenio Lara e José Rodrigues, coordenadores do Pense.www.viasantos.com/pense